PERSE, taxatividade e isonomia: Caixa de Pandora?

Autores: Leonardo Freitas de Moraes e Castro e Isabella Fochesatto Panisson, respectivamente, sócio e advogada de VBD Advogados.

O Programa Emergencial de Retomada do Setor de Eventos (“PERSE”) instituído pela Lei nº 14.148/2021 traz benefícios fiscais ao setor de eventos e turismo para compensar os efeitos das medidas de isolamento durante a pandemia, notadamente: (i) renegociação de dívidas tributárias (transação), (ii) alíquota zero de PIS/COFINS/IRPJ/CSLL por 5 anos e (iii) indenização.

O programa é inovador: tanto pela abrangência dos segmentos beneficiados, como pela ausência de contrapartidas para seu aproveitamento. A Portaria nº 7.163 editada pelo Ministério da Economia em 2021 definiu os códigos de atividades econômicas (“CNAE”) aptos a usufruir dos benefícios fiscais, contemplando um rol de quase 90 CNAES, desde os de hotéis, empresas de eventos, shows, festas, como outros mais controversos, isto é, fabricantes de vinho, locações de carros, navegação e serviços de rebocadores.

Para já, surge um questionamento importante: empresas com atividade cujo CNAE não foi listado expressamente na Portaria, mas atuam de forma vinculada aos setores incentivados (atividade-meio ou atividade de apoio ao setor) estariam excluídas do PERSE? Retoma-se a velha discussão: possui, a lista, natureza taxativa ou exemplificativa?

O Tribunal Regional Federal da 4ª região entendeu ser aplicável o benefício da transação do PERSE para empresa que comercializa produtos que são utilizados em festas e eventos, portanto, afastando a exigência de que o CNAE esteja expressamente listado na Portaria para fazer jus ao benefício da transação. O fundamento foi que a Lei não poderia dar tratamento desigual aos contribuintes e, assim, violar o princípio da isonomia. A decisão contraria aquela do Juiz de primeira instância, que entendeu ser a lista da Portaria do PERSE “taxativa”, descabendo interpretação extensiva ou analogia no caso.

Ao editar uma lista “taxativa” de CNAEs, o Governo limitou os direitos concedidos na Lei do PERSE atribuindo um tratamento anti-isonômico entre os contribuintes e gerando um problema concorrencial dentro do próprio setor. Por meio desse entendimento “taxativo”, resultados absurdos poderem surgir: por exemplo, uma sociedade com CNAE de “locação de automóveis sem condutor” – incluído na Portaria – que não tem relação direta com eventos ou turismo – pode, na prática, usufruir do PERSE, ao passo que lavanderias que fazem a limpeza das roupas de cama dos hotéis – cujo CNAE não está listado na Portaria, mas que claramente parte da cadeia do setor de turismo – estariam impossibilitadas de aproveitar tais benefícios. Cabe recordar que o PERSE tem por objetivo a “manutenção, recuperação e recomposição dos prejuízos” de entidades que, de forma “direta ou indireta”, fomentem a cadeia do setor de eventos/turismo, conforme dispõe os artigos 1º e 2º da Lei.

Nesse sentido, o posicionamento dado pelo Tribunal, ainda que em sede liminar, reforça o entendimento sobre a aplicação extensiva dos benefícios em razão da interpretação teleológica do programa, não somente para o instituto da transação, mas também para a alíquota zero dos tributos federais.

Todavia, cabe alertar que a interpretação ampla dos benefícios, para além dos CNAES expressos na Portaria, não tende a ser aquela adotada pela Receita Federal quando da regulamentação que está por vir. Isso porque, para benefícios fiscais, historicamente o Fisco costuma entender aplicável a interpretação “restrita” (que deveria, na realidade, ser “estrita” – isto é, nem mais, nem menos). Corroborando esse possível entendimento fazendário, vale ressaltar que, quando da promulgação da Lei do PERSE em 2021, o Poder Executivo chegou a impor veto à redução das alíquotas (ainda que, posteriormente, os vetos tenham sido derrubados pelo Congresso em 2022). Partindo da premissa que a ausência de CNAE expresso na Portaria não geraria, por si só, impedimento para as empresas usufruírem dos benefícios fiscais veiculados pelo PERSE - desde que sejam parte da cadeia econômica do setor e suas atividades sejam preponderantemente vinculadas a ele - o programa trará uma desoneração tributária considerável, visto que o setor é responsável por cerca de R$ 200 bilhões em faturamento e quase 50 bilhões de tributos (conforme o SEBRAE). Ao se aplicar a “redução teleológica” visando estender o benefício a demais entidades que compõe essa cadeia – o que, ressalte-se, guarda coerência com o objetivo e propósito do PERSE – sem a devida revisão de CNAEs originalmente listados que não guardam estreita vinculação com o setor, é possível que se tenha aberto uma “caixa de pandora”, capaz de impactar consideravelmente as contas públicas nos próximos anos. Isso porque, o efeito ampliativo para atividades indiretamente parte da cadeia dificilmente foi mensurado quando da publicação da Portaria. Nesse sentido, o que era para ser um benefício setorizado pode ter se transformado em algo muito maior, com impactos orçamentários nefastos, já que não há contraprestação do contribuinte para fazer jus às alíquotas zero.

Não se nega, contudo, que ao fazer valer o princípio da isonomia e proteger a livre concorrência daquela desleal, o Judiciário parece ter andado bem. Todavia, o Executivo, ao eleger amplamente o rol de atividades que fazem jus ao benefício por Portaria, parece ter desvirtuado a finalidade e a própria mens legis do PERSE, ainda que de boa-fé.

Em um momento de crise econômica, nenhum contribuinte cujo CNAE foi listado na Portaria vai reclamar. Todavia, todos aqueles não listados vão, agora com fundamento dado pelo Judiciário, pleitear a extensão dos benefícios para suas atividades. O efeito colateral da judicialização massiva para estender o benefício já começa a se propagar. Na mitologia grega, contudo, Pandora conseguiu preservar o único dom positivo depositado no recipiente aberto: a esperança. Se o mito se tornará verdade, só o tempo dirá.

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