Artigo
07/01/23

O PL da arbitragem e suas controversas alterações

Tramita na Câmara dos Deputados o Projeto de Lei nº 3293/2021 (PL), que busca promover alterações à Lei 9.307/96, a Lei de Arbitragem. Na contramão do movimento legislativo de desafogamento do Judiciário, e fortalecimento de institutos extrajudiciais, o PL, sob o pretexto de fomentar o uso da arbitragem, acaba por caminhar em sentido contrário e criar mais empecilhos ao uso deste instituto.
As alterações legislativas, apesar da singeleza, têm um potencial de produzir efeito cascata às arbitragens em andamento, não obstante seu artigo 3º prever a sua não aplicabilidade a estas hipóteses.
Isto porque a justificativa do PL gravita em torno do reforço à imparcialidade do árbitro e sugestiona diversos possíveis motivos que poderiam ferir este princípio tão caro à arbitragem. Dentre eles, a atuação do árbitro como membro da secretaria ou diretoria executiva, além da obrigação de revelação durante todo o procedimento sobre a quantidade de arbitragens em andamento, e a proibição de identidade,
ainda que parcial, dos membros de dois ou mais tribunais em funcionamento.
Parece-nos óbvio que a inovação legislativa trará força e novos fundamentos, até então não muito explorados, àqueles maus perdedores que buscam o Judiciário como uma segunda instância da
sentença arbitral.
Ao analisarmos as propostas de mudança da Lei de Arbitragem pelo PL, verifica-se que suas pretensões de alteração, sob o fundamento do reforço à imparcialidade, são mais rigorosas do que as diretrizes
instituídas pela IBA (International Bar Association) para regrar possíveis conflitos de interesses1, e que servem de apoio às instituições arbitrais mais sérias.
A exemplo, a vedação à identidade de membros de dois tribunais em funcionamento, independentemente da não identidade de partes envolvidas no litígio. A previsão mais próxima presente nas diretrizes
da IBA diz respeito à existência de sociedade ou afiliação entre dois árbitros, limitada aos três anos anteriores, e ainda assim tal previsão encontra-se na lista laranja, ou seja, a sua revelação não
necessariamente resultará na existência de conflito de interesses dos árbitros, devendo ser avaliado pelas partes caso a caso.
Ainda na lista laranja das diretrizes da IBA há a obrigação do árbitro revelar se fora nomeado nos três últimos anos em duas ou mais ocasiões por alguma das partes ou afiliadas. A parte decidirá se a
resposta pode configurar ou não um conflito, o qual não é automático.
Por sua vez, limitar a dez o número de demandas de um árbitro tem o potencial de ferir a liberdade contratual e inviabilizar a realização da arbitragem da forma como ajustada entre as partes. Reconhece-se que a medida visa evitar o assoberbamento laboral dos profissionais, por meio da abertura de um mercado tão restrito. E em que pese os nobres e razoáveis motivos, é bom considerar que essa abertura de mercado deve ser feita de forma responsável e cuidadosa. Afinal, como se sabe, o árbitro é uma pessoa de confiança escolhida pelas partes e a exigência legislativa precípua na sua atuação é de que seja imparcial.
Nesta esteira, a abertura desmedida e desregulada de mercado, isto é,a instalação de novas câmaras e admissão de novos profissionais disponíveis, sem uma regulação mínima da formação e experiência destes profissionais e câmaras, pode acabar por colocar em risco a seriedade e solidez conquistadas pelo instituto da arbitragem ao longo dos anos.
Esta segurança no instituto reconhecida useira e vezeiras vezes pelos Tribunais Superiores somente foi possível com a demonstração cotidiana de excelência nos trabalhos produzidos e pelo renome dos profissionais envolvidos. Desta forma, é sempre recomendável que a parte indague ao árbitro na fase pré-litigiosa a quantidade de disputas em que atualmente estaria envolvido, e, a seu critério, caso considere este fator importante e desqualificador, que impugne a escolha. O que aparenta uma disposição infundamentada, contudo, é o arbitramento de um número aleatório como limitador da capacidade laboral de um profissional.
Em outra alteração questionável, o PL veda a atuação de integrantes da secretaria ou diretoria executiva da câmara arbitral em qualquer procedimento em trâmite naquele órgão. Neste ponto, o PL causa verdadeira confusão no papel da câmara arbitral, equiparando-a a um órgão julgador.
A bem da verdade, a escolha pelas partes da arbitragem institucional representa nada além do que definir o “teto” e as regras procedimentais às quais as partes se vincularão. Isso sob nenhuma hipótese plausível implica uma pré-disposição de julgamento ou favorecimento a qualquer parte.
Por falar em alteração questionável, o PL busca inserir os artigos 5-A e 5-B com o fim de violar o direito das partes de optarem por um procedimento sigiloso, passando este sigilo a ser necessariamente justificado e somente restrito a excertos ou determinadas informações da sentença.
Segundo a justificativa do PL, a ideia com a publicidade seria criar jurisprudência, segurança jurídica e coesão de decisões arbitrais. A ideia da criação de um repositório de jurisprudência arbitral não se sustenta em um universo onde cada caso é único e técnico.
Como se sabe, uma das grandes vantagens do processo arbitral é a escolha de um julgador técnico, com conhecimento específico nos pormenores da disputa em discussão, sendo este meio alternativo de solução de conflitos muitas vezes utilizado para litígios societários ou contratuais.
Diferentemente da ideia do precedente no Poder Judiciário, que foi sedimentado no novo Código de Processo Civil como forma de conferir celeridade e unicidade nacional no julgamento de demandas que
versem sobre temas comuns, na LA não há previsão sobre observância ao precedente.
Engessar o árbitro a um precedente muitas vezes tira o propósito da escolha do tribunal arbitral pela parte, visto que as partes escolhem o árbitro com base em seu conhecimento técnico para julgar a demanda.
O que se lê nas entrelinhas do PL, principalmente em suas justificativas, é que o legislador buscou criar uma abertura de mercado para novos profissionais árbitros2, vez que sua escolha pelas partes, como não poderia deixar de ser, muitas vezes é restrita a apenas alguns profissionais já reconhecidos no mercado, com notório saber jurídico, ou reconhecimento na prática.
A escolha do árbitro pelas partes deve ser natural. As câmaras arbitrais mais conhecidas no Brasil levaram décadas para construírem sua imagem idônea e de reconhecida notoriedade no mercado.
O PL, sob a justificativa de tentar promover a difusão da prática, se olvida que a posição do árbitro, é, antes de tudo, um lugar de confiança, e as alterações legislativas em vez de fomentarem e reforçarem o estímulo à desjudicialização de conflitos, acaba por jogar uma nuvem de poeira e desconfiança sobre o instituto da arbitragem.

Fonte: Estadão